Difícil era encontrar igreja que não tivesse um departamento de missões e planos de enviar obreiros para ganhar o mundo para Cristo. A mensagem escatológica, então em alta nos púlpitos, era uma só: pregar o Evangelho a toda criatura, a fim de que o Senhor voltasse depressa. Organizações missionárias surgiam a cada dia, atraindo gente que desejava dedicar a vida à boa obra.
No entanto, neste
início da segunda década do século 21, o que se nota é que, se tudo não passou
de mero entusiasmo – e números vigorosos da presença missionária brasileira
mostram que não –, a situação atual é bem diversa daquela que a geração
anterior projetou. Missão rima com visão e ação, e as duas palavras andam bem
distantes da maioria das igrejas evangélicas brasileiras, segundo especialistas
em missiologia. Mesmo com o
acelerado crescimento numérico dos que professam a fé evangélica no país, que
seriam quase 20% dos brasileiros de acordo com projeções baseadas em dados
oficiais, o envolvimento dos crentes nacionais com a obra missionária, em todas
as suas instâncias – seja social ou evangelística –, segue a passos bem mais
lentos que o possível.
O conhecimento das
demandas missionárias é exposto em cada campanha ou congresso. Testemunhos são
derramados nos púlpitos, levando a muita comoção e decisões pessoais. Passado
algum tempo, contudo, os compromissos assumidos por um maior envolvimento com a
obra de evangelização e intervenção social se esfriam e a missão de alcançar o
mundo com o amor de Cristo fica a cargo dos missionários de carreira – isso
quando obreiros enviados não são simplesmente esquecidos no campo.
“Infelizmente, o jargão de que cada cristão é um missionário está sendo
esquecido. A ênfase em muitas igrejas é pelo crescimento da congregação local”,
atesta o professor Diego Almeida, docente do mestrado em missiologia do Seminário de
Educação do Recife (PE). “O serviço acaba concentrado nas mãos de
profissionais.”
Para o pastor José
Crispim Santos, promotor setorial da Junta de Missões Mundiais da Convenção
Batista Brasileira (CBB) – uma das maiores organizações missionárias do mundo,
com mais de 600 obreiros no campo –, a Igreja brasileira está bem inteirada
acerca dos desafios missionários da atualidade, mas as ações ainda não são
suficientes para o tamanho deles. “Há muitas agências missionárias divulgando o
tempo todo, além da mídia que noticia fatos que demonstram o sofrimento humano,
físico e espiritual ao redor do planeta. Nossa avaliação é que, diante deste
cenário de grande carência espiritual, a Igreja tem dado sua contribuição –
entretanto, isso é insuficiente, quando a missão é, de fato, tornar Cristo
conhecido em toda a Terra”.
DISCURSO E PRÁTICA
O que parece
evidente na paradoxal situação da Igreja brasileira, um contingente com enorme
potencial humano e financeiro, mas pouco utilizado quando o assunto é o “Ide”
de Jesus, é que a miopia missionária passa pela liderança – uma barreira
difícil de ser transposta, conforme relatado por gente que trabalha em
ministérios e departamentos específicos. Essa tendência à inação, alimentada
pela valorização de outras prioridades, acaba contaminando o rebanho. Quando a
visão do líder não passa das paredes do templo, dificilmente a igreja
desenvolve alguma intervenção importante, até mesmo em sua comunidade. “De
fato, quando o dirigente tem visão e é entusiasmado com a obra missionária, a
igreja tende a acompanhá-lo. Da mesma forma, o inverso é verdadeiro. Entretanto,
há algumas exceções; quando a igreja possui promotores de missões, esses
batalhadores realizam verdadeiros milagres”, continua Crispim.
Acontece que a
própria estrutura de funcionamento das igrejas, muitas vezes baseado em
decisões de poucas pessoas, quando não apenas de um líder centralizador, torna
ainda mais difícil o convencimento de que a missão é de toda pessoa que um dia
recebeu a Cristo como Salvador. “Dentro do atual quadro religioso brasileiro,
creio que o nosso exacerbado clericalismo é um enorme obstáculo para uma
compreensão e prática da obra missionária em termos de missão integral”, atesta
o professor de teologia e história eclesiástica da Faculdade de Teologia da
Universidade Metodista de São Paulo, Paulo Ayres. Mas as barreiras para se
desenvolver uma ação missionária mais eficiente, ainda que possam nascer no
clero, também são agravadas pelo perfil do crente contemporâneo. “Hoje, grande
parte dos membros de nossas congregações é constituída mais por assistentes
passivos e clientes em busca de produtos religiosos do que irmãos e irmãs na fé
com forte compromisso e prática missionárias, especialmente em suas atividades
cotidianas no mundo secular onde vivem e trabalham”, avalia o religioso, que é
bispo emérito da Igreja Metodista do Brasil.
No seu entender, a
Igreja tem utilizado estratégias equivocadas (ver abaixo). Por outro lado, Ayres lembra que é muito mais cômodo
terceirizar o compromisso missionário do que executá-lo pessoalmente, ainda que
a missão específica possa ser realizada no próprio bairro onde se reside. “É
mais cômodo contribuir para enviar um missionário ao Cazaquistão ou a
Guiné-Bissau do que ir pessoalmente, no poder do Espírito Santo, trabalhar como
voluntário no Piauí ou na Cracolândia, em São Paulo, ainda que seja por um curto período de
tempo, como evangelista, obreiro com crianças, dentista ou trabalhador social”,
comenta. Assim, além da omissão do Corpo de Cristo por falta de conhecimento ou
disposição, a Igreja corre riscos de ter seu trabalho missionário hipertrofiado
à medida em que se transmite toda a responsabilidade do serviço cristão para as
agências especializadas – um problema acentuado principalmente em comunidades
de fé ligadas a grandes associações missionárias.
MOBILIZAÇÃO
Do tripé
normalmente exposto nos eventos temáticos de missões (“contribuir, orar e ir”),
em geral só se desenvolve mais efetivamente o primeiro, e ainda assim em
patamares muito abaixo do que as igrejas poderiam fazer. Um levantamento feito
Missão Horizontes apontou que o investimento médio per capita do crente
brasileiro em missões durante um ano inteiro é menor do que o preço de uma
latinha de Coca-Cola – algo em torno de irrisórios R$ 2,50. Para o
missionário e pastor batista Ricardo Magalhães, que atua em Portugal a serviço
da Missão Cristã Europeia ao lado da mulher e também obreira Priscila, a
escassez de investimento no setor missionário está mais atrelada à falta de
visão do que de recursos. “De maneira geral, a Igreja brasileira não
tem problemas com finanças, porque ela sabe se mexer para gerar
fundos quando quer e para o que quer. E isso, quando se sabe que não há falta
de pessoas querendo ir aos campos: inúmeros missionários só aguardam recursos
para ir”, completa. Assim, o aspecto da oração, sem a visibilidade e sem o apelo
de outros ministérios da igreja, fica naturalmente reduzido a pequenos grupos.
De olho na
mobilização da igreja para orar, uma das ações das diversas organizações
missionárias é publicar sempre em seus boletins os motivos de intercessão nos
campos, pelos missionários e pelos desafios a serem superados. A JMM já utiliza
até mesmo mensagens de SMS para pessoas cadastradas, que recebem torpedos com
pedidos urgentes de intercessão. Já o terceiro passo, o de ir, é o maior
desafio. Seja para pequenas viagens missionárias ou para partir definitivamente
rumo ao campo, entre o desejo, o chamado, a preparação e a missão há de fato
uma longa trajetória geralmente não concluída. Não são poucos os casos de
vocações que se esfriam até mesmo dentro dos seminários, ou de leigos
envolvidos com a obra serem sufocados com o ativismo religioso. É gente bem
intencionada que acaba direcionando seu tempo, recursos e esforços mais para
dentro do que para fora da igreja.
“As comunidades
evangélicas têm caído em um dos dois extremos: ou elas se fecham a um diálogo
com a sociedade ou se abrem excessivamente para uma vontade popular, abraçando
um discurso econômico de prosperidade”, sustenta o missionário Alesson Góis, da Igreja
Congregacional, que coordena o ministério independente Vidas em Restauração
(VER). “O mundo não precisa de um cristianismo pregado, mas vivido. Todo
cristão que não é um missionário é um impostor, pois é muito egoísta receber
toda a graça e amor de Deus e não compartilhá-los com o próximo”. Envolvendo
cerca de 60 jovens de diversas denominações, entre batistas, presbiterianos,
congregacionais e membros de igrejas diversas como a Assembleia de Deus e a
Sara Nossa Terra, o ministério se encontra todos os sábados no Parque Treze de
Maio, no centro do Recife. Os jovens se reúnem como uma roda de conversa, mas
sem se caracterizar como uma liturgia ou como uma extensão da igreja
institucional. “Muita gente se surpreende pelo fato de sermos cristãos e
conversarmos com eles sem forçar a barra para que se convertam”, comenta Góis.
PRESENÇA NOTADA
Para o missionário
e pastor presbiteriano Ronaldo Lidório, parte da frustração de setores da Igreja vem justamente
daquela expectativa superestimada em relação ao seu papel na evangelização do
mundo, que acabou não se concretizando: “Pensamos que rapidamente
encontraríamos uma veia missionária comparada à da Coreia do Sul, o que ainda
não aconteceu”, reconhece. Mesmo assim, ressalva, existe um outro lado. “Creio
que corremos perigo ao focarmos somente nas negligências. É certo que a Igreja
nacional caminha com bons passos”. Ele cita como exemplo a presença evangélica
em povos indígenas, setor no qual seu trabalho é respeitadíssimo. Além de ter
vivido por dez anos entre o povo konkomba, de Gana (África), ele agora está envolvido com o Projeto Amanajé, de evangelismo e
assistência a indígenas na Amazônia . “A Igreja atua em 182 etnias indígenas e
coordena quase 260 programas sociais entre esses povos”, enumera. “Além disso,
comunidades ribeirinhas, até pouco tempo esquecidas pelas igrejas, hoje contam
com dezenas de programas cristãos, tanto de evangelização como de ação social.”
Lidório destaca ainda o trabalho de organizações regionais, como a
Juventude Evangélica da Paraíba (Juvep), que tem plantado igrejas e centros de atendimento popular
pelo Nordeste. “O sertão hoje possui menos da metade das áreas não
evangelizadas em relação ao quadro de 15 anos atrás, e essa mobilização se deu
a partir de iniciativas como a Juvep e outros programas dedicados aos sertanejos”. Já na área
transcultural – a mais conhecida e romantizada do trabalho missionário, que
envolve a figura clássica do obreiro que larga sua terra para pregar o
Evangelho num canto qualquer do mundo –, Lidório garante que as igrejas e agências brasileiras também marcam
presença. “Jamais tivemos tantos missionários no exterior como em nossos dias,
e não é incomum encontrarmos hoje brasileiros ocupando posições de liderança em
equipes e missões na África e na Ásia”, informa. Pelas estatísticas
disponíveis, hoje atuam cerca de 2,3 mil missionários brasileiros no exterior,
espalhados por mais de 50 países. “A Igreja brasileira é uma das maiores
representações de ações missionárias na atualidade, embora o número de obreiros
e de ações missionárias seja realmente bem menor do que poderia e deveria ser”,
conclui Ronaldo Lidório.
No entender do
especialista em missiologia Diego Almeida,
ministérios como o VER têm se tornado cada vez mais comuns, não somente no
Brasil, mas em diversos países. “Quando a Igreja não investe nos vocacionados, eles se preparam
por conta própria”. Foi justamente o caso da estudante de psicologia e
funcionária pública Quésia Cordeiro, de 23
anos. Após decidir dedicar-se às missões após os congressos temáticos de que
participou, ela não recebeu nenhum suporte para dar os passos seguintes na
preparação. “Não recebi nenhuma capacitação os discipulado. Tive que correr
atrás para manter a chama acesa”, conta a jovem. Com conhecimento próprio, ela
constata: “O despertamento para a obra missionária não é uma coisa contínua, mas
pontual, restrita a conferências e eventos.” Para Almeida, mesmo que as igrejas
não mostrem a Palavra de Deus, ela acaba se cumprindo de outras formas – “O
triste é ver que a instituição criada para apresentar Jesus ao mundo não faz
parte desse processo”, lamenta o professor.
“Nossa missão é implantar o Reino de Deus”
Para o bispo Ayres,
entender missões como mero proselitismo é atitude reducionista.
Especialista em missiologia, tendo atuado como
evangelista em Portugal e no Nordeste brasileiro, Paulo Ayres é hoje bispo
emérito de sua denominação, a Igreja Metodista, e professor de teologia e
história eclesiástica. Ele falou com CRISTIANISMO HOJE sobre o panorama
evangélico brasileiro em relação à missão integral da Igreja.
CRISTIANISMO HOJE –
Ao mesmo tempo em que a Igreja brasileira cresce numericamente, o conhecimento
e envolvimento com missões parece decrescer a cada geração. Por quê?
PAULO AYRES – O
crescimento numérico do povo evangélico brasileiro, em minha opinião, não tem
sido acompanhado de um maior compromisso missionário em todos os campos da vida
brasileira que reclamam um eficaz testemunho evangélico. As igrejas evangélicas
brasileiras, em sua maioria, têm uma visão reducionista sobre o que é missão,
entendendo-a mais em termos de evangelismo visando à conversão individual.
Outras dimensões missionárias, como o serviço cristão aos necessitados, o
ensino na doutrina dos apóstolos, o testemunho público do Evangelho, a ética e
a moral cristãs (a práxis do Evangelho), ou até mesmo o culto, ainda que
consideradas como importantes por algumas igrejas, acabam, na prática
missionária, sendo somente – quando muito – andaimes secundários para a
conversão individual.
Qual o resultado
prático desse panorama?
Essa visão
reducionista faz com que missão seja entendida e praticada mais como
estratégias para conquistar almas para Cristo do que realmente levar à frente o
objetivo de sinalizar a presença do Reino de Deus no mundo. Daí a obsessão pelo
crescimento numérico das igrejas – melhor dizendo, das denominações – a
qualquer custo, mesmo em detrimento dos valores maiores do Evangelho. É por
isso que o crescimento numérico dos evangélicos brasileiros, apesar da
extraordinária transformação na vida pessoal de milhões de pessoas, não tem
causado maior impacto transformador em nossa sociedade.
O que fazer para
mudar esse quadro de crescimento sem transformação social?
Creio que
precisamos, com urgência, de uma nova reforma no evangelismo brasileiro, que
deverá ter como seu centro a compreensão e a prática da missão como obra de
Deus na implantação do seu Reino entre nós. Se deixarmos de lado a obra humana
forjada nas regras do mercado e da exacerbada competição institucional entre as
igrejas, contribuiremos para a construção de uma sociedade com alto padrão
espiritual e ético, segundo a maneira de ser exposta por Jesus no Sermão do
Monte.
Presença missionária brasileira
2.300 é o número aproximado de missionários brasileiros no
exterior
50 são os países onde eles atuam
600 deles são ligados à Junta de Missões Mundiais da CBB
Por Rafael Dantas
REVISTA CRISTIANISMO HOJE
Todos nós Cristãos temos o chamado missionário.
ResponderExcluirSe não se pode ir..podemos ajudar com oraçoes e financeiramente.
Jesus está voltando!!
A mensagem da SALVAÇÃO precisa chegar aos quatro cantos deste planeta.
Ele conta comigo e com vc...
Paz!!!
Graça e paz Andrea!
ResponderExcluirResumo meu comentário com a seguinte frase: Missões é a tarefa inacabada da Igreja!
Sempre em Cristo,
Dc Josebias.
ótimo post!
ResponderExcluirAcredito que todos temos de falar de Cristo para todos, sem acepção de pessoas é claro!
Eu sempre tento falar de Jesus para meus amigos e colegas, até para aqueles que ñ gostem de mim. Gosto de falar de Jesus, do amor dele. Ele é Tudo na minha vida. E eu apenas me vejo, envangelizando todas as pessoas que vierem a mim!
Sou uma adolescente, sim sou, mas tenho a Luz em mim. Paz\!!
O Senhor nos comissionou para uma grande comissão, tão importante que os anjos anelaram realizar, mas Deus não sabendo do nosso potencial nos escolheu para tal tarefa, no entanto, poucos são os trabalhadores, mas, foram esses poucos trabalhadores que Deus escolheu. Sendo assim, cada crente é um atalaia, com a responsabilidade de proclamar as boas novas de salvação, para um mundo que jás em trevas, então, vamos e cumpramos a missão que nos foi outorgada.
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